Luis Fernando Verissimo

Acabo de ler o livro Os Espiões, de Luis Fernando Verissimo. Leitura leve e bem-humorada, bem ao estilo Verissimo de literatura.

Mas ocorre que realizei com o autor uma entrevista justamente na época em que ele estava a escrever a obra, primeiro romance de sua carreira produzido por livre e espontânea vontade, sem se tratar de livro encomendado.

Sobre a trama do livro — o qual já deixo recomendado para leitura com este post — falamos em outra oportunidade. Abaixo, transcrevo a entrevista, feita à época para o jornal Folha dos Lagos, de Cabo Frio, onde eu trabalhava. 

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Verissimo, o superlativo escritor

Escritor fala sobre si, literatura, internet, música e “o pai”

“Isso é um gravador?”, me pergunta Verissimo logo que coloco o aparelho de MP3 sobre a mesa à qual sentamos à beira da piscina de uma pousada, no centro de Cabo Frio, antes de um bate-papo que duraria, sem que soubéssemos ainda, cerca de meia hora. Imediatamente, lembrei-me de um de seus textos — “O Gigolô das Palavras” — em que tratava com sarcasmo o uso do gravador cassete (“certamente o instrumento vital da pedagogia moderna”, dizia ele) por parte de um grupo de alunos do Colégio Farroupilha. Estes cumpriam a tarefa escolar de entrevistar o escritor a respeito de sua opinião sobre o estudo da gramática no aprendizado da nossa ou de qualquer outra língua.

De certa forma, concordo com o jornalista e escritor norte-americano Gay Talase quando afirma que as grandes reportagens vêm gravadas no coração do repórter, não em gravadores ou pedaços de papel. Mas é perceptível, a partir de certas deixas, que nossos colegas de jornalismo das gerações anteriores veem com certa desconfiança todo tipo de modernidade.

Por isso talvez Luis Fernando Verissimo se mostre um pouco espantado com a internet e a criação de uma nova linguagem a partir dela. Isso pra não falar da proliferação de textos com falsas autorias que circulam na grande rede, muitos com seu nome vindo abaixo como suposto autor.

A entrevista, que se desenrolou descontraidamente como uma conversa informal, foi custosa no sentido de fazer se soltar essa figura singular, que, embora gaúcho, carrega consigo uma timidez similar à dos mineiros.

Verissimo esteve em Cabo Frio para o lançamento do livro Natureza Intacta & Agredida, de Ernesto Galiotto, seu amigo de longas datas — eles se conheceram na Copa do Mundo de 1990, na Itália. O bate-papo, em seu conjunto, acrescenta a todos os fãs do escritor um pouco mais do jeito Verissimo de ser: superlativo e sintético.

Li, recentemente, um pequeno texto na internet que era atribuído a você. Diz um trecho: “não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você (…) Gaste mais horas realizando do que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando, porque embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu”. Afinal, é seu este texto?

Verissimo – Não, não é meu. Um problema da internet é que está cheio de textos com a minha assinatura e que não são meus. Aliás, a maioria do que está lá nesse sentido não é de minha autoria. E é curioso, porque muitas vezes são textos bons, e eu não entendo por qual motivo que a pessoa que escreveu não coloca o próprio nome.

Você acaba ganhando a fama e o proveito.

Verissimo – Pois é. As pessoas elogiam e dizem: “olha, gostei muito daquele texto seu que diz…”, e não é meu. Tem um texto chamado O Quase, acho que é este, o trecho que você falou é tirado deste texto. E é um texto bom. As pessoas me elogiam por ele, e eu aceito os elogios (risos). É engraçado, porque uma vez eu estava no Salão do Livro, em Paris, há uns dois anos, e uma senhora veio falar comigo que ela tinha traduzido vários autores brasileiros para o francês. Ela tinha feito um pequeno livro com traduções de textos de Carlos Drummond de Andrade, de Clarice Lispector, e tinha me incluído na seleção. Mas o texto meu que ela havia escolhido era O Quase. E aí eu tive que falar para ela que não era meu. É um problema, pois não há como controlar isso. As pessoas põem na internet o que querem e com a assinatura que querem.

Você passa muito essas situações com relação à internet? Pergunto porque há muitos outros textos indefinidos também. Existe um que é Ter ou Não Ter um Namorado. Uns o atribuem a Drummond; outros, a Artur da Távola, sendo que nenhum dos dois, infelizmente, está mais aqui para poderem responder. Qual a sua opinião sobre a literatura dentro da rede de computadores, visto que em outra época isso não acontecia?

Verissimo – É uma coisa que está meio fora de controle. Tem muitos textos atribuídos ao Jorge Luis Borges também. A Marta Medeiros também tem vários que não são delas. Então não há o que fazer. A gente só fica torcendo para nunca dar algum problema, como difamar alguém, assinar com nosso nome e daí ser responsabilizado por isso.

Você tem uma produção de textos muito intensa, com temas muito diversificados, entre crônicas, poesia, romance. Como um escritor que mantém uma posição como um dos mais vendidos e mais lidos do país, qual a sua visão sobre o mercado editorial na atualidade, inclusive para aqueles escritores que estão começando agora e para os já consagrados, como você, o João Ubaldo Ribeiro, Paulo Coelho entre outros?

Verissimo – Olha, acho que está melhorando. Aos poucos está ficando melhor. Inclusive, a garotada está lendo mais. A gente sente tudo que está sendo feito nas escolas, no ensino básico, para incentivar a leitura e torná-la uma coisa mais prazerosa. Apesar de não ter muito jeito para isso, eu sempre aceito o convite quando me chamam para ir às escolas conversar com os alunos, porque é uma forma da gente colaborar nessa briga para criar o hábito da leitura. Mas continua sendo um mercado muito limitado, apesar de tudo que tem sido melhorado. Na verdade são as limitações do Brasil. Somos um país no qual 70% da população não tem condição de consumir cultura, literatura, etc. Portanto, é um mercado muito restrito e que só vai mudar quando o Brasil mudar como um todo, quando sua economia mudar. É uma coisa vergonhosa 70% da população não ter, enfim, qualquer tipo de vida econômica.

“Eu, por exemplo, não conseguiria viver só com o que eu ganho com livro. Preciso ter minha atividade jornalística. Talvez o Paulo Coelho obviamente viva só dos livros”

E você acha que para quem está começando no ramo da literatura, está mais fácil ou mais difícil hoje, mesmo contando com recursos como a internet? Tem muita gente publicando livros em blogs.

Verissimo – Esta é a grande novidade do mercado atual, a internet. Um veículo de divulgação para se publicar os textos, algo diferente, novo e com um público cada vez maior. Agora, publicar no Brasil da maneira tradicional, através de uma editora, isso continua difícil, porque geralmente as editoras não querem se arriscar com um autor novo, querem um autor que já seja conhecido. Afinal de contas, um livro demanda um investimento grande e requer um retorno. Por outro lado, um escritor só pode se tornar conhecido se for publicado. Entramos, então, num círculo vicioso. E isso continua. O que ajuda muito são esses concursos literários, que é uma maneira da pessoa se tornar conhecida, ganhar um prêmio.

O caminho natural da sua geração, aliás, bem antes da sua, era sempre começar pelos jornais.

Verissimo – Certamente. Mas é bom lembrar que a profissão de escritor continua sendo uma profissão que não existe. Eu, por exemplo, não conseguiria viver só com o que eu ganho com livro. Preciso ter minha atividade jornalística. Talvez o Paulo Coelho, obviamente, viva só dos livros. Acho que o Rubem Fonseca também. Mas todos os outros têm uma atividade. O João Ubaldo tem coluna no jornal, trabalha para televisão. O (Carlos Heitor) Cony escreve para jornal também. Então, fica claro que é uma profissão que não existe.

Mas essas atividades são uma forma de estar em contato com o público mesmo depois que o livro esfria.

Verissimo – Sim, isso também é bom, ajuda a se manter visível.

Tem um conterrâneo seu que diz também que está vivendo apenas dos livros, o Eduardo Bueno.

Verissimo – O Peninha.

Isso. Você também fez uma série de textos intitulada  Para Gostar de Ler, voltada para as escolas, para o público infanto-juvenil. Você considera que para haver um mercado editorial consistente, com espaço para novos escritores, são necessários primeiro novos leitores?

Verissimo – Com certeza. Isso é o que constitui um mercado editorial. O que infelizmente no Brasil não há. Veja você que, em um país como os Estados Unidos, existe um mercado grande para qualquer tipo de livro, não só para a boa literatura, mas também para a leitura fácil, policial etc. O importante é que exista mercado. Mesmo não sendo uma literatura de qualidade, mas que seja um mercado de literatura que permita ao escritor viver daquilo que faz, seja lá qual for o tipo de literatura dele.

Quais os escritores novos que você tem visto de interessante?

Verissimo – Infelizmente eu tenho lido mais para me informar, e daí a gente acaba perdendo muito tempo com jornais e revistas. Leio muito sobre história também, política, economia, enquanto que a leitura por prazer fica meio relegada. Por isso eu conheço pouco esse pessoal novo. Mas o mais novo que conheço é o José Roberto Toureiro, de que eu sempre gostei muito dele, desde o primeiro livro que li. Na verdade, nem posso dizer que seja tão recente… Do Milton Hatoum também eu gosto muito. Fora esses, não tenho acompanhado muito, não.

Qual sua opinião sobre os chamados best-sellers? Existe a literatura feita por arte, com intuito de provocar pensamentos novos, criar inquietações no leitor. Mas são cada vez mais frequentes as obras com o objetivo quase que exclusivo de entretenimento e venda. Como você vê esses produtos literários?

Verissimo – Eu acho ótimo que exista esse tipo de literatura, porque movimenta, ajuda a manter o mercado editorial. Por exemplo, Paulo Coelho, que é muito discutido… É ótimo que as pessoas estejam entrando nas livrarias para comprar o livro dele, porque de rabo de olho podem acabar vendo outro livro que também as interesse. O importante é levar as pessoas para dentro das livrarias. Seja para ler o Paulo Coelho, ou o Harry Potter. Isso demonstra o interesse pelo livro e, eventualmente, pode fazer gostar de outro livro, da literatura de qualidade.

Em o Gigolô das Palavras, você considera que a gramática não é algo tão importante assim para a produção de um bom texto. Como que você avalia a questão da acessibilidade à linguagem, porque muitos tendem a achar que escrever bem é utilizar palavras rebuscadas e construir frases complexas?

Verissimo – Acho que há uma certa confusão entre escrever bem e escrever corretamente. Escrever corretamente seria seguir todas as regras da gramática, sem tomar liberdades com a linguagem. Já escrever bem, às vezes, depende da gente romper com essas regras, de não obedecê-las. É claro que eu não estou pregando que as pessoas passem a escrever no sentido de não-corretamente, que ignore completamente a gramática. Não é isso. Só acho que se deve escrever com certa liberdade, e se essa liberdade às vezes envolve agredir um pouco as regras da linguagem, então tudo bem. O importante é construir uma leitura atraente, que prenda o leitor. Muita gente discutiu isso comigo, me acusaram de estar pregando uma rebeldia contra a gramática, mas não era bem isso. Temos é que encarar a língua como uma coisa viva e usá-la com liberdade.

Agora, do seu pai, o romancista Érico Verissimo, quanto da literatura dele ou do estilo você acredita que carrega em seus textos?

Verissimo – Bom, o que ele fazia era meio diferente do que eu faço. Era romancista, embora também tenha começado fazendo contos. Mas acho que o pai foi um dos primeiros escritores brasileiros a escrever de uma maneira mais informal, um estilo influenciado pelos americanos, pelos ingleses. Na época em que ele começou, a influencia maior vinha da França, da Espanha, Portugal. E ele foi um dos primeiros a escrever uma literatura menos empolada, mais informal, e escapava também do gênero regionalista, muito em evidência naquele tempo através de Guimarães Rosa, José Lins do Rego. E ele foi diferente nesse sentido, do que tenho certa influência, porque tento escrever também de maneira mais informal, não muito empolada.

Como que é seu ritmo de produção?

Verissimo – Durante muito tempo eu tive uma coluna diária. Por isso tinha que ter pelo menos uma ideia por dia. Agora estou fazendo só três textos por semana, que saem no Zero Hora, no Estadão, e em O Globo, e a Agência Globo distribui por entre os seus outros jornais. Tem ainda o texto que sai na revista de domingo do Zero Hora e na do Estadão.

Você tem algum projeto atualmente?

Verissimo – Estou escrevendo um romance. Os meus romances, até agora, foram cinco. Todos foram mais ou menos encomendados. Este é o primeiro por iniciativa minha. Mas vai demorar um pouco ainda para ficar pronto. Fora isso, têm os livros de crônicas, um que saiu há pouco, chamado Mais Comédias Para Ler na Escola, e um outro que vai ser lançado em breve, com crônicas mais sobre meio ambiente, política, uma coisa mais séria, mais pretensiosa. Já esse romance vai ficar pronto só lá para o ano que vem.

Eu tenho uma certa dificuldade de expressão, uma certa timidez, e isso não aparece nos textos, parece o contrário.

E ele vai falar sobre o que, qual é o enredo?

Verissimo – O título provisório do romance é Os Espiões. Tem um pouco a ver com esse problema de publicar livros, de mercado editorial. O personagem narrador trabalha em uma editora e recebe um original misterioso pelo qual acaba se apaixonando, sem saber bem quem é o autor. Ele e outros começam uma espécie de espionagem para descobrir quem escreveu aquele original, mas é difícil de explicar porque é complicado o negócio. Não está bem definido ainda.

Não sei se alguém já te disse isso, mas seus textos são tão cheios de irreverência, enquanto que você é bastante quieto, tímido. Isso é uma forma de expressar pela literatura aquilo que você não costuma falar?

Verissimo – Não sei até que ponto isso funciona como uma coisa compensar a outra. Não sei se isso é uma compensação. Conheço vários escritores extrovertidos cujas personalidades combinam com o que eles escrevem, o que não é meu caso. Eu tenho uma certa dificuldade de expressão, uma certa timidez, e isso não aparece nos textos, parece o contrário.

O Vinicius de Moraes, ao que parece, era exatamente aquilo que aparecia nos textos e poemas dele, um boêmio, um ser romântico; já o Drummond, muito recatado. Até surpreendeu a todos quando apareceu com aqueles poemas eróticos…

Verissimo – Exatamente. Tem outro exemplo também que é o Millôr Fernandes, que é brilhante tanto pessoalmente como escrevendo, a mente sempre funcionando.

E como que acontece então essa sua relação com estudantes, já que você é muito convidado para comparecer em escolas? Pelo que a gente observa, seus textos são muito utilizados em livros didáticos, em provas de vestibular, de concurso. O mais interessante é que muitas vezes o mesmo texto é utilizado em séries do ensino fundamental e no superior.

Verissimo – Eu acho que o atrativo principal do texto meu é que eles são geralmente curtos, bem claros, inteligíveis, e por ali o aluno do ensino básico vai descobrindo a leitura e acaba gostando. Mais tarde, a turma maior acaba percebendo outras sutilezas que a garotada ainda não consegue entender.

a banda tem músicos profissionais, o único metido a músico ali sou eu.

Você também é um escritor que trata de temas variados. Escreve sobre tudo: política, comportamento, relacionamento, meio ambiente, amor, juventude, comportamento feminino… Como que é para você essa procura, se é que você fica procurando coisas no dia a dia de que possa tirar um texto?

Verissimo – Bem, eu estou com 71 anos, então já vivi um pouco e tive minha própria experiência de vida, apesar de ser essa pessoa introvertida. Mas estamos sempre ouvindo os que os outros contam, vendo coisas acontecendo, lendo. Às vezes, a partir de uma frase que alguém diz detona um processo de criação que pode acabar em uma história. Não existe uma forma. No entanto, acredito que ajuda estar sempre atento ao que pode dar uma boa crônica. Além disso, tem muita coisa que me interessa, gosto muito de cinema, de esporte, política…

E de música! Todos sabem da paixão do Luis Fernando Verissimo pela música, especialmente o jazz. Como que isso começou?

Verissimo – Na verdade a música para mim foi anterior à literatura. Eu comecei a escrever bastante tarde, já com 30 anos, justamente quando eu comecei no jornal. Mas a música vem desde os 16 anos, quando aprendi a tocar o saxofone. Eu não tinha nenhuma intenção de ser músico profissional, mas sempre gostei muito da música. O que eu queria mesmo era brincar de jazzista. De certa maneira é o que faço até hoje com minha banda [a Jazz 6]. E a banda tem músicos profissionais, o único metido a músico ali sou eu.Luis Fernando Verissimo

Na área musical, você acha que a produção avançou mais do que na literatura, ou esta acabou inovando mais? Tem muita gente que diz que a música brasileira ficou ruim, que não tem mais produções do nível de um Chico Buarque e outros de sua geração.

Verissimo – Eu acho que a última grande coisa que teve na música nos últimos 30 anos foi o rock, que tomou conta de tudo e hoje é o ritmo universal. Um estilo que começou com os negros norte-americanos, nos Estados Unidos, e depois acabou tomando conta do mundo. Acho que ele tem influenciado toda produção. Nós temos aqui no Brasil algumas exceções, porque a música brasileira é riquíssima, com muita variedade. Então, acho que resistiu um pouco com o rock quase que monopolizando o cenário. É muito interessante Chico Buarque, Caetano, essa turma toda, mas acredito que o grande determinante da música no mundo foi o rock, com todas suas variações.

Enquanto precisarem de texto, seja para computador, seja para livro, tudo bem. O chato vai ser quando aparecer um computador que também escreve

E na literatura, tem notado algum estilo novo?

Verissimo – Acho que aí o que está marcando é a linguagem do computador. Uma linguagem que criaram e que não sabemos até onde vai. Temos de reconhecer que é uma tendência. Fica aquela velha história, se o livro vai desaparecer ou não. Enquanto precisarem de texto, seja para computador, seja para livro, tudo bem. O chato vai ser quando aparecer um computador que também escreve (risos). Aí vamos nos tornar obsoletos.

Éééé… Então tá, Verissimo. Acho que está bom, aliás, você tem que ir, né?

Verissimo – É. Mas foi bom. Você também escreve crônicas?

Hummm… Escrevo! Mas não igual a você, Verissimo…


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